Durante a guerra recente Israel mostrou seu poderio militar. Vimos mortes e destruição causados pelos ataques de Hamas e pelos revides de Israel. Em meio ao vendaval, é fácil esquecer que a defesa é apenas o lado externo do Estado. Nesses momentos, é particularmente importante lembrar a cultura judaica que ele permite florescer dentro de suas fronteiras, uma cultura possibilitada pela independência dos judeus na terra santa.
Pois bem, em meio à guerra os judeus em Israel celebraram o feriado de Shavuot, “semanas”, conhecido em grego e depois no Cristianismo como “Pentecostes”, por ocorrer cinquenta dias depois da Páscoa judaica. Como no Pentecostes, cristãos celebram a vinda do espírito santo e o nascimento da igreja, no feriado de Shavuot os judeus celebram a recepção da torah, da lei no monte Sinai, quando Deus se manifestou perante todo o povo judeu.
Sendo uma celebração da lei, Shavuot é um feriado dedicado aos estudos e ao estudo da lei. De forma geral, o estudo é um valor fundamental da cultura judaica, compartilhado entre seculares e religiosos, como mostram os homens ultra-ortodoxos que dedicam a vida inteira ao estudo do Talmud e a alta participação dos judeus nas universidades.
Eu tenho testemunhado esse amor aos estudos desde antes da minha chegada em Israel. Quando morava em Berlim eu tinha um terapeuta judeu nova-iorquino, que se alegrava com cada visita a Jerusalém, pois quando ele chegava em Jerusalém ele passava o dia todo estudando, debatendo, indo para aulas e palestras. Pouco depois de me mudar para o país, eu conheci um rapaz que me contou que ele suplementava a renda estudantil com uma aula, onde ele era pago para aprender sobre cultura e religião judaicas. E por fim a pesquisa aqui tem me sido tão proveitosa, dentre outras razões, pela simples abundância de institutos de aprendizado aqui: universidades, institutos arqueológicos, institutos de línguas, think tanks e programas pós-doutorais, sem falar nos vários institutos dedicados ao ensino religioso.
Voltando ao feriado passado, desde o século XVI, judeus comemoram Shavuot passando a noite em claro estudando. Em Jerusalém, por toda a cidade há aulas e grupos de estudo e oração que duram até o despertar do sol, quando vários judeus vão para o muro das lamentações rezar orações matutinas. Há cartazes por toda a cidade anunciando as aulas, que tratam desde assuntos bem técnicos e ligados à eventos correntes, como “o Corona desde uma perspectiva jurídica” ou “o direito de auto-defesa de Israel” até aulas sobre mística judaica passando por temáticas mais modernas, como o diálogo inter-religioso e o feminismo.
Eu fiquei animado neste ano, pois foi o primeiro ano que eu entendia hebraico o bastante para poder participar de algum evento. Eu acabei indo para uma noite de leitura em um dos vários ótimos sebos da cidade, Holzer Books. Holzer foi um de vários negócios que sofreram durante os duros confinamentos durante o Corona e ele realizou uma campanha de doações para clientes poderem apoiá-lo nos tempos difíceis. Foi uma campanha muito bem sucedida e eu e vários amigos meus participaram. Como prêmio pela participação, ganhamos livros quando a loja reabriu após o segundo confinamento. Eu ganhei o “Sefer HaBriah”, “O Livro da Criação”, de Nathan de Gaza (1643–1680), um kabalista do século dezessete, famoso principalmente como “o profeta de Shabtai Tzvi.” Shabtai Tzvi (1626-1676) fora considerado o messias por grande parte dos judeus no século dezessete, até sua estonteante conversão ao Islã em 1666.
A história do “Sabbateanismo”, a crença em Shabtai Tzvi como o Messias, é longa e fica para outro post. A noite de estudos na livraria Holzer fora dedicada justamente à leitura e explicação do Sefer HaBria. De fato, Leo Holzer não é apenas dono da loja, como também dono de uma editora, e o Sefer HaBriah é um livro que ele próprio editou e montou a edição crítica, um laboroso trabalho de mais de vinte anos. Antes que a leitura começasse ele fez uma longa apresentação do livro e seu autor, pelo qual ele visivelmente nutre uma grande simpatia e sobre o qual tem bastante conhecimento. Teve momentos que o atmosfera na noite de estudos ficou tensa, quando um dos presentes não pode esconder sua rejeição de uma premissa de Natan para um argumento quanto a natureza do Messias – “isso não existe!” e mais tarde fez de de tudo para convencer os outros ouvintes que não havia nada interessante nas explicácões dos profeta de Gaza. Depois de um tempo, fiquei cansado, não acostumado a estudar por toda a noite, e me despedi. Estranho pensar que tudo se passou numa época quando misséis eram atirados na direção de Tel Aviv.