O Retorno Brasileiro aos Gregos

Talvez a minha volta ao Brasil seja como sair do armário ou confessar a fé: um comprometimento com a verdade que renovo a cada encontro e a cada passo novo na minha carreira. Seja como for, ela já começou, com a minha divulgação de minhas intenções em setembro passado, com meu lançamento deste blog, e agora minha afiliação à pós-graduação em metafísica na UnB e à cátedra Archai como um pesquisador colaborador. Em harmonia com o tema do “retorno”, o meu projeto de pesquisa se intitula “O Retorno Brasileiro aos Gregos.”

O retorno é um tema central da filosofia platônica após Plotino. Não o retorno á terra ou à família, mas o retorno do espírito à Unidade, fonte e potência de toda realidade. Mas não se pode voltar a uma causa estranha e alienígena: Cthulhu recebe seus devotos não de braços, mas de garras abertas. Se os Neoplatônicos buscavam retornar à unidade é porque acreditavam que lá tinham suas raízes, que nossa essência, como diria Proclo, estava marcada pelas assinaturas dos deuses que residem na unidade. Voltamos apenas para o lugar do qual nunca verdadeiramente partimos. “Ano que vem em Jerusalém!”, como se diz aqui.

Mas de que retorno aos gregos falo para o Brasil então? Júlio Cabrera, um filósofo no Brasil e defensor da filosofia brasileira, já disse que Sócrates (e também Cristo!) não pode ser senão um “padrasto” de pensadores brasileiros já que a cultura europeia seria uma imposição colonial nas Américas. Concretamente, tenho em mente os filósofos Mário Ferreira dos Santos (1907-1968) e Vicente Ferreira da Silva (1916-1963). Mário e Vicente conduziram cada um um retorno pessoal e separado aos gregos. O primeiro retornou ao Pitagorismo na sua filosofia tardia, começando com Filosofia e Cosmovisão (1954), e especialmente em Filosofia Concreta (1956), Pitágoras e o Tema do Número (1965) e seus volumes posteriores onde desenvolveu seu projeto pitagórico da “Mathesis Megiste”: A Sabedoria dos Princípios (1967), A Sabedoria da Unidade (1967) e A Sabedoria do Ser e do Nada (1968).  Vicente retornou, por sua vez, ao poder do mito e em particular ao mito grego por meio uma filosofia politeísta inspirada em medidas iguais por Schelling e Heidegger e pelos estudiosos alemães da religião como Ludwig Otto, Leo Frobenius e Bachofen. Seu projeto fora lançado com o livro Teologia e Antihumanismo (1953), desenvolvido em vários artigos e então, diferente do caso do Mário, foi levada adiante por membros de seu círculo que o sobreviveram, especialmente pela poeta e tradutora Dora Ferreira da Silva (1919-2006), sua mulher, e o classicista português Eudoro de Sousa (1911-1987). As reapropriações do pensamento Grego por Mário e Vicente assim se complementam uma à outra como retornos ao logos e ao mythos respectivamente.

Considero a filosofia deles filosofia pau-brasil, filosofia pronta para exportação (mas talvez nosso acúcar ou café seja uma analogia melhor). Por isso, meu plano é traduzir e escrever textos a respeito dos dois em inglês de modo a eventualmente produzir um livro – Brazilian Greek Metaphysics. Em parte, espero assim atiçar o interesse estrangeiro para que o brasileiro também acorde para seu valor. Em parte, a tradução me é um modo agradável d epnesar entre as linhas pensando entre as línguas, buscando na selva silábica a justa expressão para expressar o conceito. No caso a tradução é uma operação de tradução da língua paterna – português, a língua que mais falo com meu pai e crescendo foi mais uma língua social, usado fora do âmbito íntimo da família – para a língua materna, o inglês, que devo mais a mãe e ao irmão e no qual registro os pensamentos domésticos e íntimos. As complexidades de uma educação de filho de diplomata. E há aí uma imagem com “níveis”, como gostávamos de dizer faz quinze anos, de minha volta do grande mundo cosmopolita para o Brasil.

Eu já comecei o projeto de tradução com o Vicente Ferreira da Silva, tendo publicado uma tradução para o inglês de seu artigo Religião, Salvação e Imortalidade e em breve espero poder noticiar a publicação de uma segunda tradução. Que o retorno vicentino aos gregos seja mesmo um retorno brasileiro sabe qualquer um que lê sua prosa tão fluente, mas me ficou claro em Agosto passado, lendo Casa Grande & Senzala. Lá vi como a íntima conexão e as relações conflituosas entre raça, sexo e religião, centrais no pensamento de Vicente, também foram centrais nessa influente visão do Brasil. Sobre Mário Ferreira dos Santos ainda hei de voltar a ler seus textos de forma cuidadosa.

Na semana que vem retorno do futuro à vida presente e aos temas jerusalemenses,

2 thoughts on “O Retorno Brasileiro aos Gregos”

  1. adhemar Bahadian

    Muito interessante. Gostaria de receber sempre que possível . Parabéns.

Comments are closed.