Antonio em Jerusalém

Jardim da Independência em Jerusalém

Em setembro de 2021 estarei no Brasil, morando novamente, depois de 12 anos no exterior, oito em Berlim e quatro em Jerusalém. No dia da minha chegada em Berlim, em março de 2009, vi nuvens, sol, vento e neve, todas as estações do ano num só dia. E um ano de anos depois estarei mais uma vez no Brasil, novo e de novo.

A minha volta para o Brasil se inspira na minha estadia em Israel. Tendo morado aqui já pouco mais que três anos e falando hebraico bem o bastante para dar aulas, vários israelenses ao me conhecerem me perguntam – “Quando você “subiu” ao país?”, ao qual respondo “Ah, eu não subi, não sou judeu”. Explico: em hebraico, Jerusalém e a Terra Santa são tratados como locais “altos”, então emigrar para Israel é “subir”, ou “fazer aliyah”, i.e., “fazer subida”. Na realidade, “fazer aliyah” não simplesmente é emigrar para o país, mas se valer da Lei do Retorno que garante a todo judeu (para fins da lei, todo aquele que tem ao menos um avô ou avó judeus) o direito de emigrar para Israel e se tornar um cidadão. E por que as pessoas fazem aliyah? Por toda sorte de razões, para estudar, trabalhar, para se retirar de ambientes antissemitas, para se juntar a outros familiares que já fizeram, por gostar do país ou por apoio ao sionismo, mas principal e simplesmente porque são judias, independente de quaisquer considerações econômicas. De fato, se mudar de Israel para judeus vindos de muitos países desenvolvidos significa uma piora na sua situação econômica. Mas nem por isso a decisão de subir é vista com suspeita. É algo perfeitamente aceitável deixar uma prática médica bem sucedida na França para recomeçar aqui em Israel, ganhando bem menos. Eu talvez não teria tomado a decisão de voltar ao Brasil, um contrassenso para uma carreira na rede universitária internacional, se Israel não tivesse normalizado para mim a ideia de voltar e permanecer em uma “terra” “minha”.

Há então em Israel a ideia de que morar no próprio país é um desejo, um direito e uma escolha inteiramente naturais que não precisam de justificativa adicional. (Embora, se você não for judeu, você receberá a mesma pergunta periférica que estamos acostumados a fazer no Brasil: “Mas por que você escolheu morar justo aqui?”) Os israelenses constantemente demonstram que o dinheiro não é a última instância nas suas vidas: os jovens tardam em entrar no mercado de trabalho, as lojas e locais de lazer quase todos fecham no sábado, os judeus haredi abdicam de uma educação que os profissionalize para passar a vida estudando o Talmud, para citar alguns exemplos. Não há outro país onde eu tenha vivido que ensine tão claramente que a economia tem um segundo lugar nas considerações humanas. Sobre o que deveria ocupar o primeiro lugar, não há consenso na sociedade israelense, uma das razões de seu estado de tensão constante.

Você talvez não perceba as tensões se você visitar apenas Tel Aviv, considerados por vários uma bolha judia secular, onde os conflitos com os árabes e entre os judeus seculares e religiosos são escondidos de vista ou soterrados. A cidade ela mesma se apresenta como um lugar quase sem história, sem monumentos, a cidade do último homem de Nietzsche: o telavivense pisca e diz “nós inventamos a felicidade”. Pelo menos, assim a cidade aparenta dos altos da cidade santa, onde se tropeça na história com mais facilidade do que em Berlim e onde é possível ver todo dia o reflexo do sol no domo da rocha. Jerusalém, longe de ser uma cidade homogênea, mais aparenta ser várias cidades sobrepostas, em tensão umas com as outras. Uma viagem de trem de menos de meia hora separa as duas cidades, mas elas aparecem como mundos opostos, e assim até mesmo o ambiente relaxado de Tel Aviv está envolvido na rede de tensões do país. É esse ambiente que deixo para outras tensões no Brasil.

Nos meus anos aqui, aprendi mesmo a amar Jerusalém. Alta, a cidade tem um clima seco parecido com o de Brasília, embora não tão extremo. Os montes de Jerusalém são o último ponto onde as nuvens que vem do litoral se quebram e chove, e logo após Jerusalém vem o deserto. Tel Aviv talvez lembre Brasília no que ela tem de moderno e classe média, mas Jerusalém tem o melhor de Brasília: o céu e o clima, as coisas não feitas pela mão humana. Nesse blog espero compartilhar algo do que tenho aprendido com minha experiência morando nessa cidade, bem como compartilhar várias viagens pelo país que pretendo fazer nesse meu último ano aqui, Deus e a peste permitindo.

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